AS CAMÉLIAS DO LEBLON
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: Uma investigação de
história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11-57.
O
autor:
Eduardo Silva nasceu na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de janeiro, em
1948. Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), no Rio de Janeiro,
desde 1976, Sócio titular do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). Mestre
em História pela UFF em 1979; Doutor em História pela University College London
(Inglaterra) em 1992. Autor de diversos livros e membro da comissão de editores
da revista do IHGB. Atua na área de história política, cultural e social e
principalmente nos temas relacionados com escravidão, abolição, pós-abolição,
classes populares e cultura negra.
“1.
Quilombo abolicionista: um quilombo historicamente novo.” (p. 11)
Os quilombos abolicionistas foram um modelo
diferente de resistência à escravidão. Eram localizados perto de grandes
centros e suas lideranças eram personalidades públicas e conhecidas com bom
trânsito entre escravos fugitivos e a sociedade, com documentação civil em dia
e bem articulados politicamente: “Uma espécie de instância de intermediação
entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente” (p. 11). Este modelo
de quilombo “é fruto de uma complexa negociação social e política” (p. 12)
Grandes quilombos que se destacaram nessa
nova forma, foram eles: O quilombo Jabaquara, em Santos, São Paulo, liderado
por Quintino de Lacerda, e o Quilombo do Leblon, no Rio de Janeiro, liderado
pelo português José de Seixas Magalhães.
José de Seixas Magalhães – Idealizador e
chefe do Quilombo do Leblon, um homem de ideias avançadas, abolicionista e
fabricante e comerciante de malas e
objetos de viagem na Rua Gonçalves Dias , no centro da cidade, onde utilizava
de meios avançados em sua produção com máquinas a vapor que fizeram suas malas
receberem prêmios no Brasil e em Viena d`Áustria. Seixas, além de produzir
malas, investia em terras na zona Sul, onde possuía uma chácara no Leblon onde
cultivava flores com o auxílio de escravos fugidos, ele os escondia na chácara
com a cumplicidade dos principais
abolicionistas da capital do império. Era ele também uma espécie de
“procurador” da Confederação Abolicionista.
A chácara Leblon
(Leblon
- O nome
teve sua origem numa chácara pertencente ao francês Charles Le Brond que
existia no local em meados do Século XIX.
Até as últimas décadas do século XIX, era um
território arenoso ocupado por algumas chácaras. O francês conhecido por Carlos
Leblon, possuidor de uma empresa de pesca de baleias, tinha ali uma dessas
chácaras desde 1845, razão pela qual a região ficou sendo conhecida como Campo
do Leblon, denominação informal que acabou fixada ao bairro) era conhecida como quilombo
Leblond, quilombo Le Blon ou quilombo do Leblon. Era lá que seixas “cultivava
suas famosas camélias, o símbolo por excelência do movimento abolicionista” (p.
14). Camellia japônica, introduzida
no Rio de Janeiro há uns sessenta anos,
era uma planta rara, uma flor delicada em processo de adaptação que exigia
cuidados especiais. O quilombo, contava com a cumplicidade de grupos
abolicionistas e com a proteção da própria Princesa Isabel. Ele era “uma
espécie de ícone do movimento abolicionista, uma de suas melhores bases simbólicas
e um de seus trunfos para a negociação política”. (p. 15). O quilombo era
mantido e organizado também pela Confederação Abolicionista
“2.
Leblon, Jabaquara, Pai Filipe e Isabel: em busca de uma tipologia do quilombo
abolicionista” (p. 19)
Tanto o quilombo Jabaquara, em Santos,
quanto o quilombo do Leblon no Rio de janeiro estavam localizados próximos aos
terminais de bonde puxados a burro. Transporte e comunicação eram quesitos
fundamentais para a boa articulação
política destes quilombos. O quilombo do Leblon, situava-se em um local ainda
intocado pelo homem, à época.
Esse modelo de quilombo abolicionista,
mantinha muitas cumplicidades sociais e por isso era quase impossível dar
combate aos mesmos, o do Leblon, especialmente, era a menina dos olhos do
abolicionismo radical.
“A atuação de Seixas, sempre na linha de
frente do movimento, valeu-lhe a malquerença de muitos fazendeiros escravistas
e outros setores reacionários da capital do Império.” (p. 24) Com isso, o chefe
de polícia, desembargador Coelho Bastos, sonhava com a possibilidade de atacar
o Leblon e despachar o Seixas de volta para Portugal. Certa vez quando este
chefe de polícia quis agir contra o quilombo, este foi protegido pela própria
princesa Isabel e pelo próprio Imperador que teria determinado o encerramento
do caso sem maiores formalidades ou investigações.
Era de conhecimento de muitos que a própria
princesa Isabel “acoutava pretos no seu palácio em Petrópolis” (p. 30) “Para
Rui Barbosa, a atitude firme dos escravos, as fugas em massa e a formação dos
quilombos abolicionistas jogam papel verdadeiramente fundamental para a mudança
de atitude da princesa.” (p. 30) “Rui Barbosa foi o primeiro intelectual a
sustentar que a abolição da escravatura não foi uma dádiva da princesa imperial
regente, mas uma conquista do próprio escravo e do movimento abolicionista.”
(p. 31)
A cidade de Campos (hoje Campos dos
Goitacazes) também teve um quilombo abolicionista, chamava-se quilombo Carlos
Lacerda.
Mas contudo, não se deve pensar que os
quilombos abolicionistas não tinham a sua versão guerreira. Por várias vezes
foi preciso que os negros promovessem fugas em massa para a formação destes
quilombos e também que enfrentassem de forma guerreira, os ataques da polícia
negreira.
“3.
O movimento e a semiótica*: um “mimoso bouquet
de camélias artificiais”” (p. 35)
*Sistema que estuda os símbolos e signos
empregados em comunicação.
“Com a proteção do imperador, felizmente, o
quilombo do Leblon nunca chegou a ser investigado, continuando a princesa
Isabel a receber calmamente os seus ramalhetes de camélias subversivas. E com
isso crescia barbaramente a influência e o poder simbólico das camélias na vida
política do país, sobretudo das que pudessem ser identificadas como “camélias
do Leblon”, “camélias da abolição” ou “camélias da liberdade”.” (p.35) certa
feita, a própria princesa Isabel apareceu em público ostentando no vestido uma
camélia, este fato conseguiu desagradar igualmente a conservadores, liberais e
até republicanos. Para arrecadar fundos para a campanha abolicionista, ela
começou a organizar em Petrópolis suas famosas “batalhas de flores”, nesta
ocasião ela se mostrou claramente como uma abolicionista de opiniões fortes e
contrária às ideias conservadoras. “depois das batalhas de flores e das
camélias do Leblon, a princesa como que tomou as rédeas da história e fez-se
rainha antecipada, era já Isabel, a redentora.” (p. 36)
“Enquanto os republicanos ainda resistiam à
ideia de abolição incondicional, a princesa aderiu à radicalidade simbólica das
camélias do Leblon. Patrocínio, até então um duro crítico da monarquia, cai aos
pés da princesa e passa a lhe dar apoio incondicional.” (p. 37)
“As camélias do Leblon e as batalhas de
flores simplesmente jogaram por terra a situação conservadora. Com a atitude da
princesa, a alta roda em peso queria ser abolicionista e libertar seus
escravos. (...) Ser abolicionista, que até então era uma posição de sacrifício,
virou uma espécie de coqueluche da moda.” (p. 40)
“ Na hora mesma em que a lei foi assinada,
no dia 13 de maio de 1888, aproximou-se da princesa o presidente da
Confederação Abolicionista, João Clapp, e lhe fez entrega, em nome do movimento
abolicionista, de um “mimoso bouquet
de camélias artificiais”. E logo em seguida, aproximou-se também o imigrante
Seixas, honrado fabricante de malas, que passou às mãos da princesa um outro
belíssimo buquê de camélias. Desta feita, contudo, camélias naturais, viçosas,
vindas diretamente do quilombo do Leblon” (p. 42/43) Camélias, a partir daí
tornaram-se um símbolo do movimento político abolicionista, da ala radical, do
grupo que promovia fugas e formação de quilombos, servia inclusive como uma
esécie de senha por meio da qual os abolicionistas poderiam ser identificados em
missões perigosas ou ilegais. Eis a semiótica política das camélias no processo
de abolição.
“4.
A Vila Maria Augusta e seu jardim: uma possível sobrevivência do quilombo do
Leblon” (p.46)
“Usar uma camélia na lapela, ou cultivá-la
acintosamente no jardim de casa, era quase uma confissão de fé abolicionista.”
(...) “Petrópolis, por exemplo, antes de ser a “cidade das hortências”, foi, no
fim do século XIX, a “cidade das camélias” “(p. 46)
Rui
Barbosa, quando foi morar em sua casa definitiva, a Vila Maria Augusta, fez
questão de plantar três pés de camélias em seu jardim, que lá se encontram até
hoje a florir. Isto feito para marcar a casa de um abolicionista. “São objetos
simbólicos, um tipo de atestado ideológico do proprietário, homem de profunda
convicção liberal e abolicionista.” (p. 47)
“5.
A escravidão é mesmo um roubo: “roubo direto, positivo,material,pecuniário” “ (p. 52)
O tráfico de negros foi proibido em 1850,
no entanto desde 07 de novembro 1831 que foi assinada pelo padre Diogo Feijó a
lei que dizia que são livres todos os africanos importados daquela data em
diante. Em 1869, Rui Barbosa defendeu a velha lei que para ele fora assinada
apenas para dar cumprimento aos acordos internacionais assumidos com a
independência; Lei essa que já nasceu esquecida, como se dizia e se firmou até
hoje o bordão: “apenas pra inglês ver”. Portanto, para ele, todo tráfico de
escravos praticado a partir desta lei era considerado pirataria, e seus objetos
eram vítimas de cativeiro indevido, vítimas de pirataria. Para ele, o aceite de
tal fraude, colocava todo o sistema sob suspeita, ou mais que isso, fora da
lei. Isso propiciou o surgimento, na década de 1880 do slogan da Confederação
Abolicionista: “a escravidão é um roubo”. (...)“desde que a escravidão foi
percebida como “fora da lei”, então era possível um combate sem trégua ao
sistema”. (p. 55)
“Nunca houve crítica tão radical ao
sistema. Ninguém jamais ousou dizer tudo isso nas barbas dos fazendeiros. Era
rui Barbosa em um de seus melhores momentos: a escravidão, no Brasil, era um
roubo em todos os sentidos: roubo moral, roubo de lesa-pátria, roubo direto,
positivo, material e pecuniário. Para ele, pagar indenização aos proprietários
– fosse em dinheiro ou tempo de serviço, como aconteceu na maioria dos países –
parecia totalmente inaceitável. Era o mesmo que compactuar com a pirataria.
Era, moralmente, uma espécie de cumplicidade com o próprio crime que se queria
combater. Se a escravidão era mesmo um roubo, então não havia por que indenizar
os proprietários. Se é que se possa falar em proprietários.”
FIM