sexta-feira, 21 de junho de 2013

                           AS CAMÉLIAS DO LEBLON


 SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: Uma investigação de história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11-57.

O autor: Eduardo Silva nasceu na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de janeiro, em 1948. Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), no Rio de Janeiro, desde 1976, Sócio titular do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). Mestre em História pela UFF em 1979; Doutor em História pela University College London (Inglaterra) em 1992. Autor de diversos livros e membro da comissão de editores da revista do IHGB. Atua na área de história política, cultural e social e principalmente nos temas relacionados com escravidão, abolição, pós-abolição, classes populares e cultura negra.

“1. Quilombo abolicionista: um quilombo historicamente novo.” (p. 11)

    Os quilombos abolicionistas foram um modelo diferente de resistência à escravidão. Eram localizados perto de grandes centros e suas lideranças eram personalidades públicas e conhecidas com bom trânsito entre escravos fugitivos e a sociedade, com documentação civil em dia e bem articulados politicamente: “Uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente” (p. 11). Este modelo de quilombo “é fruto de uma complexa negociação social e política” (p. 12)
    Grandes quilombos que se destacaram nessa nova forma, foram eles: O quilombo Jabaquara, em Santos, São Paulo, liderado por Quintino de Lacerda, e o Quilombo do Leblon, no Rio de Janeiro, liderado pelo português José de Seixas Magalhães.
    José de Seixas Magalhães – Idealizador e chefe do Quilombo do Leblon, um homem de ideias avançadas, abolicionista e fabricante e comerciante de malas  e objetos de viagem na Rua Gonçalves Dias , no centro da cidade, onde utilizava de meios avançados em sua produção com máquinas a vapor que fizeram suas malas receberem prêmios no Brasil e em Viena d`Áustria. Seixas, além de produzir malas, investia em terras na zona Sul, onde possuía uma chácara no Leblon onde cultivava flores com o auxílio de escravos fugidos, ele os escondia na chácara com a cumplicidade dos  principais abolicionistas da capital do império. Era ele também uma espécie de “procurador” da Confederação Abolicionista.
    A chácara Leblon (Leblon - O nome teve sua origem numa chácara pertencente ao francês Charles Le Brond que existia no local em meados do Século XIX.  Até as últimas décadas do século XIX, era um território arenoso ocupado por algumas chácaras. O francês conhecido por Carlos Leblon, possuidor de uma empresa de pesca de baleias, tinha ali uma dessas chácaras desde 1845, razão pela qual a região ficou sendo conhecida como Campo do Leblon, denominação informal que acabou fixada ao bairro) era conhecida como quilombo Leblond, quilombo Le Blon ou quilombo do Leblon. Era lá que seixas “cultivava suas famosas camélias, o símbolo por excelência do movimento abolicionista” (p. 14). Camellia japônica, introduzida no Rio de Janeiro  há uns sessenta anos, era uma planta rara, uma flor delicada em processo de adaptação que exigia cuidados especiais. O quilombo, contava com a cumplicidade de grupos abolicionistas e com a proteção da própria Princesa Isabel. Ele era “uma espécie de ícone do movimento abolicionista, uma de suas melhores bases simbólicas e um de seus trunfos para a negociação política”. (p. 15). O quilombo era mantido e organizado também pela Confederação Abolicionista

“2. Leblon, Jabaquara, Pai Filipe e Isabel: em busca de uma tipologia do quilombo abolicionista”  (p. 19)

    Tanto o quilombo Jabaquara, em Santos, quanto o quilombo do Leblon no Rio de janeiro estavam localizados próximos aos terminais de bonde puxados a burro. Transporte e comunicação eram quesitos fundamentais para  a boa articulação política destes quilombos. O quilombo do Leblon, situava-se em um local ainda intocado pelo homem, à época.
    Esse modelo de quilombo abolicionista, mantinha muitas cumplicidades sociais e por isso era quase impossível dar combate aos mesmos, o do Leblon, especialmente, era a menina dos olhos do abolicionismo radical.
    “A atuação de Seixas, sempre na linha de frente do movimento, valeu-lhe a malquerença de muitos fazendeiros escravistas e outros setores reacionários da capital do Império.” (p. 24) Com isso, o chefe de polícia, desembargador Coelho Bastos, sonhava com a possibilidade de atacar o Leblon e despachar o Seixas de volta para Portugal. Certa vez quando este chefe de polícia quis agir contra o quilombo, este foi protegido pela própria princesa Isabel e pelo próprio Imperador que teria determinado o encerramento do caso sem maiores formalidades ou investigações.
    Era de conhecimento de muitos que a própria princesa Isabel “acoutava pretos no seu palácio em Petrópolis” (p. 30) “Para Rui Barbosa, a atitude firme dos escravos, as fugas em massa e a formação dos quilombos abolicionistas jogam papel verdadeiramente fundamental para a mudança de atitude da princesa.” (p. 30) “Rui Barbosa foi o primeiro intelectual a sustentar que a abolição da escravatura não foi uma dádiva da princesa imperial regente, mas uma conquista do próprio escravo e do movimento abolicionista.” (p. 31)
    A cidade de Campos (hoje Campos dos Goitacazes) também teve um quilombo abolicionista, chamava-se quilombo Carlos Lacerda.
    Mas contudo, não se deve pensar que os quilombos abolicionistas não tinham a sua versão guerreira. Por várias vezes foi preciso que os negros promovessem fugas em massa para a formação destes quilombos e também que enfrentassem de forma guerreira, os ataques da polícia negreira.

“3. O movimento e a semiótica*: um “mimoso bouquet de camélias artificiais”” (p. 35)
      *Sistema que estuda os símbolos e signos empregados em comunicação.

    “Com a proteção do imperador, felizmente, o quilombo do Leblon nunca chegou a ser investigado, continuando a princesa Isabel a receber calmamente os seus ramalhetes de camélias subversivas. E com isso crescia barbaramente a influência e o poder simbólico das camélias na vida política do país, sobretudo das que pudessem ser identificadas como “camélias do Leblon”, “camélias da abolição” ou “camélias da liberdade”.” (p.35) certa feita, a própria princesa Isabel apareceu em público ostentando no vestido uma camélia, este fato conseguiu desagradar igualmente a conservadores, liberais e até republicanos. Para arrecadar fundos para a campanha abolicionista, ela começou a organizar em Petrópolis suas famosas “batalhas de flores”, nesta ocasião ela se mostrou claramente como uma abolicionista de opiniões fortes e contrária às ideias conservadoras. “depois das batalhas de flores e das camélias do Leblon, a princesa como que tomou as rédeas da história e fez-se rainha antecipada, era já Isabel, a redentora.” (p. 36)
    “Enquanto os republicanos ainda resistiam à ideia de abolição incondicional, a princesa aderiu à radicalidade simbólica das camélias do Leblon. Patrocínio, até então um duro crítico da monarquia, cai aos pés da princesa e passa a lhe dar apoio incondicional.” (p. 37)
    “As camélias do Leblon e as batalhas de flores simplesmente jogaram por terra a situação conservadora. Com a atitude da princesa, a alta roda em peso queria ser abolicionista e libertar seus escravos. (...) Ser abolicionista, que até então era uma posição de sacrifício, virou uma espécie de coqueluche da moda.” (p. 40)
    “ Na hora mesma em que a lei foi assinada, no dia 13 de maio de 1888, aproximou-se da princesa o presidente da Confederação Abolicionista, João Clapp, e lhe fez entrega, em nome do movimento abolicionista, de um “mimoso bouquet de camélias artificiais”. E logo em seguida, aproximou-se também o imigrante Seixas, honrado fabricante de malas, que passou às mãos da princesa um outro belíssimo buquê de camélias. Desta feita, contudo, camélias naturais, viçosas, vindas diretamente do quilombo do Leblon” (p. 42/43) Camélias, a partir daí tornaram-se um símbolo do movimento político abolicionista, da ala radical, do grupo que promovia fugas e formação de quilombos, servia inclusive como uma esécie de senha por meio da qual os abolicionistas poderiam ser identificados em missões perigosas ou ilegais. Eis a semiótica política das camélias no processo de abolição.

“4. A Vila Maria Augusta e seu jardim: uma possível sobrevivência do quilombo do Leblon” (p.46)

    “Usar uma camélia na lapela, ou cultivá-la acintosamente no jardim de casa, era quase uma confissão de fé abolicionista.” (...) “Petrópolis, por exemplo, antes de ser a “cidade das hortências”, foi, no fim do século XIX, a “cidade das camélias” “(p. 46)
    Rui Barbosa, quando foi morar em sua casa definitiva, a Vila Maria Augusta, fez questão de plantar três pés de camélias em seu jardim, que lá se encontram até hoje a florir. Isto feito para marcar a casa de um abolicionista. “São objetos simbólicos, um tipo de atestado ideológico do proprietário, homem de profunda convicção liberal e abolicionista.” (p. 47)

“5. A escravidão é mesmo um roubo: “roubo direto, positivo,material,pecuniário” “ (p. 52)

    O tráfico de negros foi proibido em 1850, no entanto desde 07 de novembro 1831 que foi assinada pelo padre Diogo Feijó a lei que dizia que são livres todos os africanos importados daquela data em diante. Em 1869, Rui Barbosa defendeu a velha lei que para ele fora assinada apenas para dar cumprimento aos acordos internacionais assumidos com a independência; Lei essa que já nasceu esquecida, como se dizia e se firmou até hoje o bordão: “apenas pra inglês ver”. Portanto, para ele, todo tráfico de escravos praticado a partir desta lei era considerado pirataria, e seus objetos eram vítimas de cativeiro indevido, vítimas de pirataria. Para ele, o aceite de tal fraude, colocava todo o sistema sob suspeita, ou mais que isso, fora da lei. Isso propiciou o surgimento, na década de 1880 do slogan da Confederação Abolicionista: “a escravidão é um roubo”. (...)“desde que a escravidão foi percebida como “fora da lei”, então era possível um combate sem trégua ao sistema”. (p. 55)
    “Nunca houve crítica tão radical ao sistema. Ninguém jamais ousou dizer tudo isso nas barbas dos fazendeiros. Era rui Barbosa em um de seus melhores momentos: a escravidão, no Brasil, era um roubo em todos os sentidos: roubo moral, roubo de lesa-pátria, roubo direto, positivo, material e pecuniário. Para ele, pagar indenização aos proprietários – fosse em dinheiro ou tempo de serviço, como aconteceu na maioria dos países – parecia totalmente inaceitável. Era o mesmo que compactuar com a pirataria. Era, moralmente, uma espécie de cumplicidade com o próprio crime que se queria combater. Se a escravidão era mesmo um roubo, então não havia por que indenizar os proprietários. Se é que se possa falar em proprietários.”

                                                                            FIM

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